Quantas vezes precisamos morrer para poder viver? Hoje faço 40 anos. Respondendo a pergunta acima, creio que até agora já morri uma meia dúzia de vezes. Pode ser que só três, numa construção a la Manoel de Barros.
Para não parecer mórbido demais o texto, vou contar uma história que li recentemente. Em 2014 um raio caiu num platô na Noruega. No exato momento em que o raio encostou na terra havia sob o platô mais de 300 renas, pastando inocentemente. Todas morreram, por óbvio. As mais de 300 carcaças ficaram lá, para que a terra as comessem, como acontece com toda a matéria orgânica nesse planeta. Ocorre que eram muitas defuntas juntas, e tanto excesso de vida quanto excesso de morte não são naturais. Tanta decomposição tornou o solo ácido demais e a morte se alastrou por mais espaço vivo, matando toda a vegetação do platô. A morte tomando conta de tudo, sentiu-se soberana. E seu reinado não estaria completo sem os carniceiros. A Noruega é um lugar muito frio, e aquele platô se transformou no empório gourmet de todo tipo de animal que vive do cadáver alheio. Mas eis que a vida tem suas artimanhas. Ela se infiltrou no território da morte sorrateiramente. Cada carniceiro que vinha atrás do seu steak tartare macabro acabava deixando seu rastro de fezes. E nas fezes, algumas sementes. Algumas dessas sementes precisavam de um terreno ácido e rico em nutrientes para se darem bem. Essas plantas então permearam a morte. É isso amigos, um punhado de merda sobre a terra semeou vida novamente. Hoje, há toda uma nova biodiversidade sobre aquele platô. Na terra devastada por um rugido dos céus a vida constrói novamente seu reinado.
Então voltemos ao morrer e viver. Nos últimos 2 anos minha vida foi aquele platô talhado de morte. E de alguma maneira tudo dentro de mim morreu. Mas no meio desse monte de merda, no último ano, enquanto a morte ainda reinava, pequenas coisas começaram a brotar. E são nesses pequenos sinais de vida que tenho depositado minhas esperanças. Em cada alma que se aproximou da minha e me tocou com amor. Como diz Benjamin Ramos Bonfim, um filósofo metafísico subversivo moderno, muito jovem, mas extremamente sábio, o que melhora as coisas é o amor.
Hoje saio da quarentena para iniciar um novo ciclo caótico de vida. E como diz Saramago, o caos é uma ordem a decifrar. E não importa quantas vezes eu morra, sempre volto disposta a decifrar o enigma que é a vida.
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