Estava esse final de semana vendo uma peça bem louca de hermética, quando lá pelas tantas falamos de resiliência. Lembrei desse texto de 2017 do qual não retiro uma única vírgula.
O facebook me perguntou o que eu desejo compartilhar. Eu desejo compartilhar algumas divagações que tenho me permitido. Então vamos lá (é textão e é incômodo, se não quiser estragar seu dia, não leia).
Hoje fiquei sabendo da morte de um conhecido. Não era um amigo, nem um colega. Era uma pessoa que tive contato umas três vezes na vida e há muito tempo. Mas me lembro de terem sido momentos bons. Ele era uma pessoa muito sensível, a interação com ele era fácil, ele sabia captar nossa vibração e vibrava junto. Fui ao facebook dele, estava sorridente em todas as fotos. Como geralmente eu estou nas minhas. Foi impossível evitar a transposição. Sensível e forte. Essa combinação é foda. É como o frio e calculista. São indissociáveis. Você não será forte se não for sensível, caso contrário sua força suportará o que? Residirá no que?
Eu me lembro de uma ocasião em que uma pessoa me procurou pra me comunicar uma decisão que ia partir meu coração. Era meu aniversário. Eu ouvi a decisão, resignada. Não discuti, apenas ouvi calada. E ao final ouvi um "querida, não se abata, você vai superar isso também". Aí veio a pior parte:"você é forte". Foi duro de ouvir, mas esclareceu tanta coisa. Quando se é forte você será sempre a jogada de segurança. A tal política da redução de danos que regem todas as nossas decisões. E quando você é forte amigo, fique certo, a bomba vai arrebentar na sua mão. Desde então eu entendi porque eu sempre me fodo. Eu me sinto como uma mulher bomba do islã. Geralmente me arrebento por uma causa e no final recebo 7 homens virgens, o que vocês hão de concordar comigo é de uma inutilidade sem tamanho. Acho que esse é o melhor resumo do que é ser forte.
Deram um nome bonito pra isso: resiliência. Um conceito da física. A característica mecânica que define a resistência dos choques de materiais. Particularidade apresentada por certos corpos, quando estes voltam à sua forma original, depois de terem sofrido deformação elástica. No sentido figurado habilidade de se adaptar com facilidade (aonde que é fácil?) às intempéries, às alterações ou aos infortúnios. Só esqueceram de um pequeno detalhe. Na física todo material sofre de fadiga. Uns custam a entregar os pontos, outros quebram de cara. Mas se quebram. E NUNCA mais voltam a sua forma original.
Então volto ao ponto do início. Esse meu conhecido encontrou o ponto de fadiga. Não voltou à sua forma original. Ele se quebrou de uma forma definitiva. Na física eles testam os materiais em ensaios mecânicos destrutivos. Nesse ensaio a amostra testada é deformada permanentemente até sua fratura. Eu tenho vivido assim amigos. Todos os dias um apertão, um arrocho, uma sobrecarga. Tração, compressão, fluência, dobramento e dureza. Puxa, aperta, dobra, bate. E não pode chorar. Não pode reclamar. Você é: forte, tem emprego, tem dinheiro, tem saúde. Não pode ficar insatisfeito, não pode reclamar. Porrada, porrada, porrada. Não se dobre. Siga em frente.
Ainda não descobri como se faz pra deixar de ser forte. O mundo não deixa você abandonar o posto. Você é forte, diz o mundo. Vai na frente, de peito aberto, sem escudo, sem lança. Se jogue à frente da linha inimiga. Você é forte, vai conseguir! Tem medalha no final! E uma caixa, com suas cinzas. Enrolada numa bandeira.
Então fica avisado: eu não sou forte mais. Desisti. Eu nunca mais quero ser a jogada de segurança de ninguém. Nem no trabalho, nem no amor, nem na minha família, nem com meus amigos, nem no jogo de futebol. Não amigos, já deu pra mim. Eu só quero mesmo é sentar na grama do parque com meu filho, dividir com ele um pacote de pipoca de sal enquanto vejo o pôr-do-sol. E atrás de nós o mundo segue com seu ensaio mecânico destrutivo, moendo vidas e sonhos daqueles que ainda se importam.
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