Falhei com meu compromisso de escrita da semana passada. Mas eu tenho ótimas desculpas. Fui vencida pela frustração. Vou explicar.
Dia 01 de setembro foi aniversário do meu filho. Esse ano dei-lhe de presente um piano. Ele me pediu que trouxesse os primos para se divertissem tocando piano. Meu filho se diverte com livros cartográficos, lego e música com a mesma intensidade.
Brasília está, como diria Nelson Rodrigues, com a canícula lavrando por toda cidade, ou seja, fazendo um calor do cão. E então às 18h do sábado minha geladeira entrega os pontos. Um bolo no forno, quatro crianças no exercício de suas funções e uma geladeira sangrando sucos de carnes congeladas pelo chão da cozinha. Recepcionar 12 pessoas para um almoço do dia seguinte exigiu que, nem rompante à là Trump, eu me sentisse impelida a comprar a Groelândia para refrescar as bebidas. Sacos e mais sacos de gelo foram estocados nesse armário inerte que se transformou a minha geladeira. Eu só posterguei a contingência. Porque o gelo da véspera é a água de hoje e o day after foi mais desesperador que o domingo.
Vou pular um monte de história, nem tudo pode ser contado, e me projetar diretamente para o dia 12, meu aniversário de 41 anos. Meu sonho de princesa era muito simples: chegar em casa antes das 17h, abrir um vinho e terminar de ler meu livro. Nada de festa, nada de confraternização. Eis que a energia do meu prédio acaba logo cedo. Até as 17h, quando retornei para casa, ela não havia dado o ar da graça. Descubro que o problema reside numa obra recém iniciada ao lado do meu edificio. Subo doze andares de escada. Tomo um banho gelado. Abro um vinho morno. Quando os taninos trazem a tona aquela vontade de água descubro que meu filtro não funciona sem energia. Limpo o paladar com a água morna e cheia de cloro da torneira da cozinha. Quando o sol se põe não há mais luz para a leitura, não há mais bateria do telefone pra ligar a lanterna. Assim, meu aniversário é abreviado em algumas horas e vou dormir.
Lógico que desafiei Deus a resolver essa diferença entre nós no braço e devo confessar que fui bastante desaforada com o Sobrenatural. Um amigo veio me consolar com um “nem tudo podemos controlar” e eu respondi “não controlamos nada, nem o esfíncter, não é essa a questão”. Fiquei por dois dias martelando internamente porque fiquei tão brava com as circunstâncias. Pensei em dificuldade para lidar com a frustração. Mas vejam, não havia projeções grandiosas que não se realizaram. Eu sei que não tropeçamos em montanha, mas são muitos dias consecutivos com um caos absoluto. E ser gari da própria vida por 15 dias de carnaval cansa. Chega uma hora que você percebe que não será capaz de catar todas as latinhas de cerveja do caminho.
Então sento para escrever com minha taça de vinho e enquanto o computador inicia vejo as lágrimas escorrendo pelo bojo da taça. Fico olhando, maravilhada, as gotinhas incolores escorrendo, formando um lindo barrado. E logo minha mente voa para todos os pequenos momentos que me afetaram. Lembro de uma revoada de pássaros no céu de Amsterdam. De uma pipa solitária que voava no Templo do Céu, na China. Lembro da umidade dos meus olhos quando recebi uma caixa repleta de origamis de Tsuru e corações. Lembrei-me de uma vez que indo de um prédio a outro para uma reunião percebi um pássaro solitário cantando. Achei tão pungente que filmei a copa de uma árvore com o passarinho como trilha sonora e mandei para um amigo. Lembrei-me de ontem quando meu filho me convidou para jantarmos fora. Dirigindo e olhando a linda lua nova no céu ele me dedica a música Somebody to Love do Queen. A música fala de alguém massacrado pela vida, clamando por amor: “Encontrem alguém para eu amar”.
Percebo que sofro por andar no gume do sentimento. Um mínimo resvalo para a direita ou esquerda separam a alegria da tristeza. As grandes coisas não me afetam tanto quanto as insignificantes, para o bem e para o mal. Ainda não sei dizer se é bom ou ruim, só me percebi assim.
E então me lembrei de uma visita que fiz a um templo zen budista. Ele possuía um jardim de pedras (karensansui) e o guia explicou a metáfora do jardim. Ele é composto por 15 pedras agrupadas em grupos de cinco, duas, três, duas e três pedras. Elas estão espalhadas de maneira que os visitantes só possam ver 14 delas por vez, a partir de qualquer ângulo que se olhe. Numa analogia, apenas com iluminação conseguimos enxergar a verdade em sua totalidade. Sempre há um ponto cego na vida. O mistério da vida consiste em descobrir de quantas pedras são feitas nosso jardim.
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