Essa semana recebi um feedback interessante no trabalho. Eu havia feito um texto e enviado para a aprovação dos meus gestores. Sim amigo, meu trabalho é como um jardim da infância: somos monitorados o tempo todo pois temem que, sem supervisão, acabemos comendo o giz de cera. Eu usei a expressão “a guisa de”. Meu erro foi escolher uma expressão de origem germânica, derivado de wisa, num idioma latino. Então meu chefe disse: É por isso que você não arruma um homem, escreve como uma mulher de 90 anos. Ainda não tomei conhecimento de um concurso literário para selecionar pares amorosos. Se alguém souber de algo me avise que estou dentro.
O curioso é que as últimas pessoas com as quais saí me mandaram textos para leitura. O primeiro me mandou o projeto de IPO da empresa dele. Eu li e vi que para o caso em questão era melhor um Project Finance e quando falei isso acabei com o romance. O rapaz sonhava em agitar o sininho da B3 e eu fui sincera demais. Todos sabemos que o amor não comporta muita sinceridade...
Outro me mandou o trabalho que fez para se tornar uma pessoa importante na instituição em que trabalha. O texto era curioso pela forma e pelo conteúdo. Não vou adentrar a temática pois sei que vocês, leitores, ficam stalkeando meus personagens (#naojulgo #façoomesmo). Mas posso falar da forma. Era um texto extremamente fragmentado, com metade da página composta de notas de rodapé. Muitas dessas notas poderiam compor o texto o que deixaria tudo mais fluido, mas o cidadão não conseguia enxergar isso. Era difícil compreender o que ele queria dizer, tamanha a quebra de ritmo. Mais tarde pude entender que aquela fragmentação não era só do texto. Ele todo é assim. E de tão quebrado ele escorreu pelo ralo e foi-se sem grandes explicações.
Essa coisa de coração partido é tão comum que nem devia mais ser notícia. Não sentamos em mesa de bar para falar do quanto sentimos sede durante o dia. Mas nunca me reuni com amigos em que os corações partidos não tenham sido assunto do encontro. Uma amiga comparou sua fé em encontrar um amor à certeza de que um dia ganhará na mega sena. Falei para ela continuar indo à lotérica, afinal a mega oferece uma chance em 50.063.860, já o amor é um jogo perdido.
Freud explica. Lá no Mal Estar na Civilização ele fala que a humanidade vive em busca da felicidade e para isso busca vários caminhos e um deles é pelo amor. Então ele diz: “O lado frágil dessa técnica de vida é patente; senão a ninguém ocorreria abandonar esse caminho por outro. Nunca estamos mais desprotegidos ante o sofrimento do que quando amamos, nunca mais desamparadamente infelizes do que quando perdemos o objeto amado ou seu amor.”
Uma vez meu filho disse que não vai frequentar balada porque ele não gosta de música ruim nem bebida e cigarro. A única concessão que ele faz para a bebida é vinho, o qual planeja conhecer em sua maioridade. Então perguntei como ele arrumaria uma namorada: a técnica dele será conquistar pelo intelecto, ajudando uma coleguinha da escola a fazer seus deveres. Então devo me lembrar de avisar a ele que nunca escreva “a guisa de”. A experiência me diz que essa técnica é um fracasso...
No fim, parece-me que o amor é feito para que a literatura exista. Corações partidos produzem lindos poemas e livros. Quem nunca teve um amor não realizado como em Por quem os sinos dobram?, ou uma sede de amor não saciado como em Ana Kariênina ou Madame Bovary? Quem nunca se sentiu um corno como Dom Casmurro? Quem nunca chorou por um defunto ainda vivo como Cecília Meireles em Munumail (Fui chorar minha saudade/à beira do mar da China,/onde caramujos cantam/pela areia purpurina/Por meu bem me perguntaram/se estava morto ou cativo,/pois com lágrimas tão grandes/não se chora a quem está vivo.)
Sim, o amor é um jogo perdido. Como um apostador na mesa de roleta, vamos apostando e perdendo, crendo que na próxima rodada vamos recuperar o dinheiro perdido. E sabe porque estamos sempre caindo na armadilha? Porque somos como a bolinha do jogo de roleta. Quando a roleta gira a bolinha é arremessada para o lado externo e vai girar lá longe do centro. A isso chamamos força centrífuga, como na máquina de lavar roupa. Mas o que afasta tudo do centro da roda não é a rigor uma força mas a falta dela. Sem uma força de resistência vamos para longe. A rotina faz isso conosco. Mas o amor é a força que atrai a bolinha. Chega uma hora que a bolinha não consegue mais tentar fugir da rota e simplesmente cai num número aleatório. As vezes vermelho, as vezes preto, as vezes par, as vezes impar. Mas quase nunca cai naquele que apostamos.
Fortuna é uma palavra de origem latina, derivada de fors (possibilidade, força). Daí vem que tanto dinheiro quanto amor, sejam fortuna. E ambas são realizadas na medida da nossa força e da nossa possibilidade. Sem uma boa mão, só um milagre ou um blefe muito bem feito. Certamente poucos vem para ganhar esse jogo. Seja escrevendo como uma velha de 90 anos ou sendo um completo analfabeto.
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