Ernest Hemingway x Guimarães Rosa
- Michelle Ramos
- 18 de ago. de 2019
- 3 min de leitura

Para mim há dois casais ícones na literatura mundial (Romeu e Julieta não é um deles!)
O primeiro, por excelência, é Riobaldo e Diadorim de Grande Sertão: Veredas. Se você fala português fluentemente e nunca leu Grande Sertão: Veredas saiba que jamais vai adentrar o Good Place. Ademais, se tivesse lido esse romance escrito em 1956 não teria achado o Segredo de Brokeback Moutain uma novidade.
João Guimarães Rosa conta em Grande Sertão: Veredas a história de Riobaldo, um jagunço. Um jagunço é por definição um cangaceiro, criminoso foragido ou qualquer homem violento contratado como guarda-costas por indivíduo influente e por este homiziado. Ou seja, um homem que vive em pé de guerra, devotado à destruição. Riobaldo tem um amigo de tropa, Diadorim. E ops! Ele se apaixona pelo amigo. Ele sabe que é amor que faz doer o corpo. Mas sabe que esse amor é proibido. O interessante é que mesmo ciente de que esse amor não poderá se concretizar (onde já se viu, um homem gostar de outro homem!!! #ironia) Riobaldo não foge desse sentimento. Ele o cultiva em silêncio e o aceita.
Mas eis que amor é sinônimo de tragédia e sofrimento. O bando de Riobaldo entra em confronto com o bando de Hermógenes. Riobaldo faz um pacto com o diabo para vencer o bando inimigo. Diadorim morre no meio de uma batalha com Hermógenes (um dos nomes para o demônio). "O Diabo na rua, no meio do redemoinho..." E então ele vai limpar o corpo do amigo para o enterro. Assim, ao desnuda-lo descobre estupefato que Diadorim na verdade era uma mulher.
Só quem acompanha o conflito que Riobaldo viveu pelos sentimentos que tinha é que é capaz de quantificar a puta sacanagem que é essa história. Eu JAMAIS vou me conformar com o amor que não que cumpre o seu papel. Mas me toca profundamente a história de Riobaldo, que ainda que com medo e reprimido se permitiu sentir.
Agora o segundo casal: Robert Jordan e Maria de Por quem os sinos dobram, de Ernest Hemingway. Robert Jordan é... adivinhem? Um integrante das Brigadas Internacionais, que era um conjunto de unidades militares compostas por voluntários estrangeiros que lutaram ao lado da República na Guerra Civil Espanhola. Na história, sua missão é explodir uma ponte. Mais um tipo devotado para o conflito.
Robert Jordan tem uma vida dedicada a uma causa e por ela, ele está disposto a dar sua vida. Ele sabe que a missão de explodir a ponte é perigosa mas a causa vale. O problema é que a vida é ardilosa. No meio do caminho ele conhece Maria. Maria, a mulher frágil, cuja simples presença é capaz de secar a garganta do guerrilheiro. E então, o homem cuja missão é destruir ponte, constrói uma ponte entre ele e Maria.
Robert Jordan cede ao amor. Se envolve com Maria e começa a cogitar abandonar a guerra, esquecer sua causa por uns tempos e levar uma vida ao lado dela. Ele devaneia pensando nos dias que poderá ter com Maria (coelhinha, como ele a apelidou) em Madri. "Quanto mais irregular for o trabalho, mais irregular é a vida". Assim ele pensa em voltar a dar aulas e viver seus afetos recém descobertos com Maria.
Não há final feliz no amor. Robert Jordan quebra a perna depois da explosão da ponte. Todos devem fugir o mais rápido possível. Não há como levá-lo. Ele sabe que não sobreviverá por muito tempo com o fêmur fraturado. Então a história termina com Maria fugindo contrariada e com Robert sozinho na floresta, a espera dos inimigos. Ele morre? É capturado? Não sabemos. Toda essa história de passa em exíguos 4 dias. Mas podemos resumir tudo isso nesse pensamento:
"Que coisa! Você toca a sua vida achando que ela tem um significado e sempre acaba não significando nada. Nunca houve nada assim. Você pensa que isso nunca vai acontecer com você. Daí, aparece um caso cretino como este, de coordenar dois bandos de guerrilheiros mal-ajambrados para ajudar a dinamitar uma ponte, sob condições impossíveis, para provocar o aborto de uma contraofensiva, provavelmente já iniciada, e você esbarra numa garota como Maria. Claro. Foi isso o que aconteceu. Você esbarrou nela um pouco tarde, só isso."
Sabe qual a moral da história? Sabe por que esses são meus casais prediletos? Porque o amor pegou a todos no contrapé. No final deu tudo errado. Mas não se pode dizer que não houve amor.
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