Ou sobre como as coisas vivem a se dobrar sobre si mesmas
Meus 20 leitores cativos e silenciosos: não sei ao certo quem são vocês, mas se são quem imagino, pensaram bobagem! Não é nada dessa besteira juvenil que vocês intuíram. Já começo a me explicar.
Lá pelos meus 13 anos aprendi a fazer uma caixinha de origami. Junto com o avião e o barquinho de papel, a caixinha completava minha santíssima trindade da celulose vincada. Eis que a vida segue seu curso e numa manobra arriscada eu acabei indo parar no Japão, a terra do origami. Em Kyoto, numa loja de artesanato, aprendi a fazer o Tsuru, aquele pássaro de papel, que me lembra bastante um velociraptor (quando a dobra do bico sai errado fica idêntico...). Então indo do Japão para Amsterdam dei-me a fazer tsurus e colocar dentro das caixinhas de papel. E começou um alvoroço, porque uma caixinha caiu na mão de uma comissária que mostrou pra outra que contou pra outra e logo havia uma romaria na poltrona, de forma que até o piloto pediu que mandássemos um pássaro pra ele lá na cabine.
Lógico que sendo eu uma flor de obsessão, ao voltar para o Brasil, resolvi que queria aprender a fazer simplesmente TODOS os origamis que existem no mundo. Comecei procurando por tutoriais na internet e logo descobri toda uma variedade de origamis modulares, em que você dobra certo numero de figuras e depois as encaixa formando um sólido geométrico. São os kusudama ou origamis modulares. O kusudama basicamente é uma esfera onde os antigos colocavam ervas e penduravam na cabeceira da cama para trazer boa saúde. E dei-me a fazer e a ensinar o pouco que sabia aos outros. Depois de uma situação que me deixou bastante desgostosa com a vida, parei com a arte de dobrar papel. E por longos meses não dobrei papel algum.
Minha vida tem sido uma sucessão de problemas. A central de equívocos abriu as comportas e o rio de confusões inundou minha vida de forma que estou com equívocos para administrar até a cintura. Otimistas diriam que está bom, podia estar até o pescoço. O fato é que no auge do desespero lembro-me dos origamis e resolvo retomar minhas dobraduras. Uma colega me pediu um tsuru e resolvi fazê-los. Enquanto dobrava, ouvia uma palestra do Luiz Alberto Oliveira. Para quem nunca ouviu falar ele é curador do Museu do Amanhã, um polímata versado em física, cosmologia, filosofia, mitologia, psicanálise e fã do Borges.
Lá pelas tantas ele começa a explicar a diferença dos sistemas lineares para os sistemas não lineares. Vou me ater à explicação dos sistemas não lineares. Ele exemplifica esse sistema falando de uma floresta com determinado número de lobos e coelhos. Quanto mais coelhos existem, melhor os lobos de alimentam, quanto mais os lobos se alimentam, mais eles se reproduzem e quanto mais lobos, menos coelhos existem. E assim esse sistema vai oscilando as variáveis e em dado momento a existência de um único lobo a mais pode significar o fim do último casal de coelhos. Um lobo a mais pode significar o fim dos próprios lobos. E então ele começa a explicar que em latim a palavra dobra significa plica ou plexo. Algo complicado é algo com dobras. Explicar é abrir ou desdobrar o que está escondido, é a maneira de tornar um sentido visível. Duplicar é dobrar duas vezes. E por aí vai... súplica, cúmplice, implicar... tudo isso para explicar (olha aí) que a vida é um sistema complexo: que dobra sobre si, colocando em contato partes antes desconectadas e que cada dobra implica (de novo!) uma nova situação.
Tem uma história que diz que não conseguimos dobrar uma folha de papel mais de 8 vezes. Se vocês são quem imagino que são já os vejo testando a afirmação. Devo dizer que uma turma de uma universidade americana conseguiu dobrar 13 vezes.
Então pensei eu: viver é essa dobração infinita. Se dobrar errado não tem figura. Se dobrar a esmo só se vinca inutilmente o papel. Se desdobrar desmacha (ou o erro ou a figura). Se dobrar em um sentido dá certo, se dobrar de outro, dá errado. Se começar a fazer tsuru não dá pra acochambrar e fazer uma caixinha. Ao terminar a palestra eu já havia montado meu Kusudama. E então me dei conta que esse negócio de dobrar e redobrar é a mais pura filosofia. Olhando essa figura disforme que minha vida se transformou percebo que preciso, antes de mais nada, definir qual figura quero ao final. E depois, começar a desfazer dobras desnecessárias e me dedicar às dobras necessárias. O bom é que se nada der certo, amassamos o papel no formato esférico, arremessamos ao lixo, e começamos novamente numa folha nova.
Para quem quiser investir o tempo da forma mais deliciosa possível, deixo aqui o link da palestra: https://youtu.be/fFWE421uKz0.
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