Das mudanças (in)possíveis
- Michelle Ramos
- 17 de nov. de 2019
- 3 min de leitura

Eu cheguei em um ponto na vida que estou quase desistindo de me comunicar. Está muito difícil... Eu sei que mercúrio está retrógrado, mas não se trata disso. Porque mesmo com Mercúrio progressista eu não ando me fazendo entender. Meu psicanalista disse que tenho que estar no mundo sem ser do mundo. Mais extraterrena do que tenho sido, impossível. Lógico que não foi isso que ele quis falar. Mas também não sei exatamente o que ele intencionava com isso, de forma que fiquemos com esse pequeno enigma a rodar na cabeça.
Acho que eu poderia vender ingresso para meus encontros com meu terapeuta. Nas última sessões falamos sobre peixe, tapioca, sapatos, biomas, Dostoiévski, nota 3 em redação, casas em ruínas, em uma Michelle viva e uma Michelle morta e tudo fazia um sentido incrível... Fiz esse preâmbulo todo para mostrar que a loucura não tem limites.
Sexta eu resolvi pôr a cara fora de casa. Fui tomar um vinho com um amigo mezzo-surdo mezzo-cego, mas inteiro feliz. Ficamos no escuro e no meio do barulho, de forma que ele nem me escutava e nem conseguia ler meus lábios. Ficamos conversando pelo WhatsApp (quem disse que a tecnologia separa?). Quando finalmente nos arrumaram uma mesa contei a ele, em viva voz, que estava na terapia. Ele reagiu maravilhosamente, falando: “Amiga, que tudo! Tomara que ele te transforme na maior devassa (ele usou outra expressão ;o). Ele vai mudar até seu signo, vai deixar de ser virginiana e virar aquariana.” Eu ri muito e meu terapeuta também. A bem da verdade, acho que ele quer fazer isso mesmo. Uma vez falei sobre o amor em Saramago e ele me disse que eu devia conhecer o amor na versão de Jorge Amado. Eu tô sacando o que ele quer me dizer, só não me rendo fácil. Não senhor, nada vale sem uma batalha precedente. #deboche
Então hoje de manhã recebo de uma amiga a imagem aí embaixo.

Olho bem a figura e resumo: o coração partiu, virou pó e sumiu (tradução: virgem com ascendente em capricórnio). Ela imaginou uma fuga: perguntou onde ficava minha lua. Respondi: em capricórnio. Ela concluiu bravamente que ainda bem que essa porcaria de astrologia não significa nada. Fiquei um cadinho triste porque uma vez ela olhou meu mapa natal e disse que eu nunca seria pobre... Minhas ilusões foram todas perdidas mesmo. Essa amiga está estudando psicologia, então a consolei com a história acima do amigo: falei pra ela confiar que meu terapeuta ia mudar meu signo. Ela riu e disse que achava a tentativa válida.
Eu me lembro de ter estudado signos na faculdade. Mas falo de Ferdinand Saussure que dizia que o signo é composto por significante e significado. Um signo (significação), segundo Saussure, é a síntese da relação entre um conceito e sua imagem sonora. Por exemplo: quando falo cabeça você pensa na imagem da cabeça e (significado) no conjunto sonoro “c-a-b-e-ç-a” (significante). Mas a relação entre essas coisas é bastante arbitrária. Se decidíssemos que doravante a coisa “cabeça” seria representada semanticamente pela palavra “cabaça”, pronto. Em alguns casos cabeça e cabaça dão no mesmo... E mais, o signo é altamente simbólico: “as palavras estão sempre em lugar das coisas e não nas coisas.”
Mas vamos deixar essas loucuras aí de lado para irmos ao ponto: sempre dá pra mudar, até de signo. É tudo uma questão de reorganizar: letras ou palavras, ou narrativas... tanto faz. Porque se você reparar bem é essa maluquice aí do Saussure que usamos para comunicar o que se passa na nossa cabeça (ou cabaça). Só tem que organizar direitinho a mudança, para o caos na casa nova não tornar tudo inviável. Na teoria eu sei tudo. Na prática a coisa complica.
Isso tudo aí me lembra meu novo queridinho: Dostoiévski. Todo mundo já ouviu falar de Crime e Castigo, mas O Idiota é o melhor. O personagem principal não o é esse idiota que você pensa. Leia e entenderá. Há uma passagem em que num ardil publicam uma “versão” da história dele. O Príncipe Míchkin (O Idiota) morou um tempo na Suíça, tendo sido mantido por um bem-feitor. Segue o texto:
“O ricaço imaginava que até a inteligência podia ser comprada, tanto mais na Suíça. Cinco anos entre as geleiras passou ele, sob os cuidados dum doutor célebre, nisto sendo gastos muitos milhares. O idiota, é claro, não deixou de continuar idiotíssimo, mas pelo menos se tornou um ser humano, o que vale pouco, está-se vendo.”
Pra mim isso basta. Nem preciso deixar de ser idiota. Só de virar ser humano já estou no lucro.
uma boa pergunta, você tem quantos fãs?