Estava deitada olhando para o teto, quando meu filho apareceu perguntando o que eu tinha. Falei que achava que estava doente pois nem ler eu queria. Tudo bem que eu li dois livros nesse feriado... Ele me disse que o que eu tinha era tédio. E subitamente me deu vontade de mostrar a ele uma música que estava tocando na minha mente. Fiquei pensando por que, raios, essa música brotou. Lembrei-me de um trecho do livro Alucinações Musicais do Oliver Sacks. Ele fala do ponto de vista da neurologia sobre o fenômeno da música chiclete. Eles chamam de earworms (vermes de ouvido), mas ele advoga que o certo mesmo seria brainworms (vermes de cérebro) porque é aí onde a coisa toda acontece.
Nem vou me meter a explicar exatamente como funciona, porque honestamente eu não entendi direito. Mas tem umas partes que eu compreendi e vou contar. Ele cita o psiquiatra Anthony Storr, que tratou do fenômeno em seu livro Music and the mind. Storr defende que a música extraída da memória “tem a vantagem adicional de chamar a atenção para pensamentos que de outro modo passariam despercebidos ou seriam reprimidos, e assim pode exercer uma função semelhante à dos sonhos.”
Mas o trecho que achei mais legal foi a citação de um trecho do livro The haunting melody: psychoanalytic experiences in life and music de Theodor Reik:
“Melodias que nos passam pela cabeça [...] podem dar ao analista uma pista para a vida secreta de emoções que cada um de nós vivencia. [...] Nesse cantar interior, a voz de um self desconhecido comunica não só humores e ímpetos passageiros, mas às vezes também um desejo repudiado ou negado, um anseio e um impulso que não gostamos de admitir para nós mesmos. [...] Seja qual for a mensagem secreta que transmita, a música incidental que acompanha nosso pensamento consciente nunca é acidental.”
O que aconteceu foi: Michelle decidiu não pensar em determinado assunto que anda consumindo suas energias. O assunto resolveu aparecer de qualquer forma, sintonizou o rádio interno e colocou Losing my Religion tocando em looping. Sim senhores, apresentei a uma criança de 11 anos uma música que fala de perder a fé em alguém ou alguma coisa (não se trata necessariamente de religião).
Losing my Religion é uma música de uma banda antiga chamada R.E.M, que acabou oficialmente em 2011. A história dessa canção é contada em um documentário do Netflix chamado Por trás daquele som. Essa música deu visibilidade a pouco conhecida banda da Georgia. Há várias músicas do R.E.M que eu adoro. Há a divertida e incompreensível Imitation of Life e a muito verdadeira e tristíssima Evebody Hurts que me consola a maior parte dos dias. E tem Losing my Religion.
A música chama a atenção pelo arranjo de bandolim. Um rock com bandolim. Quando começa a tocar Losing my Religion você é automaticamente ejetado do sofá. A música já começa grande e envolvente. O bandolim e bateria se apresentam no volume máximo. O documentário tem o cuidado de falar com cada um dos integrantes da banda e apresentar a linha de cada instrumento em separado. Então sabemos que tem bateria, baixo, bandolim e guitarra. Quando a música tocou inteira me esforcei para ouvir o baixo. Para mim foi impossível. Perguntei ao meu filho se ele conseguia identificar o baixo e, com aquela cara de óbvio, falou: - Claro!
Alucinações Musicais também explica isso. Ele explica que há gente que ouve perfeitamente, mas não é capaz de escutar música. Explica que algumas pessoas entendem as notas como se fosse cores (menos os daltônicos). Falou também do ouvido absoluto. Meu filho é um desses.
Nessa noite chuvosa de sábado, cada um ficou com aquilo que conseguiu captar da música. Assim como não ouvi o baixo, creio que ainda há muito para eu escutar dessa mensagem do lado escuro da força, freudianamente falando. Ficarei nesse diálogo interno com Michael Stipe. Ah, essa coisa de earworms é contagioso. Deixe seu inconsciente escolher uma das opções abaixo e se entregue. Como disse T.S. Eliot “você é a música enquanto a música dura.”
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