Eu ia, mas acabei não indo.
Não sei se todo mundo está a par do que aconteceu hoje, por isso vou apresentar uma resumo. Tem um cara chamado Elon Musk (que criou e vendeu o PayPal por um porrilhão de dólares) que além de ser dono da Tesla e ter um filho que chamado isso X Æ A-12, tem planos de colonizar Marte. Para tanto ele criou uma empresa chamada Space X. Em associação com a Boeing, a Space X fechou um contrato com o governo dos Estados Unidos para, vamos simplificar, fazer frete pra estação espacial. Pois bem, essa versão melhorada do Rápido Cometa, resolveu que iria incorporar a Viação Itapemirim e doravante, além de acepipes e ferramentas levaria também pessoas para a estação espacial. Então hoje haveria o lançamento da primeira viagem tripulada da Crew Dragon.
Há vários aspectos interessantes nessa história: a que mais me chama a atenção é que pela primeira vez a viagem espacial saiu do domínio militar e passou a incluir civis. Os astronautas, claro, continuam da NASA, assim como o foguete que lançaria a cápsula . Mas o desenvolvimento da tecnologia foi feito por uma empresa particular. Mas vejam: os Estados Unidos estavam pedindo carona pra Rússia para mandar seus astronautas pra estação espacial desde 2011. Toda vez que a Soyus partia, iam os americanos no banco de trás pagando US$ 80 milhões pelo assento. Quem viu as imagens da nave lembrou de 2001 - Uma Odisseia no Espaço. Os painéis de controle touch screen, sem nenhuma alavanca ou botão vermelho.O traje dos tripulantes também foi renovado e agora eles se parecem mais com o playmobil que meu filho tem.
Pois bem, o lançamento estava marcado para as 17h32. E eu estava trabalhando e ouvindo todo o bafafá da cobertura jornalística. Os astronautas entraram na cápsula e começaram os preparativos. Recolhe-se o braço da estação, começa-se a injeção do líquido propulsor. Aí, me liga meu psicanalista.
Todas as quartas tenho uma sessão de terapia remota. E devo dizer que, longe dos olhos do meu analista, eu fico falando com ele ao mesmo tempo em que leio notícias. Resumindo: na quarta-feira minha sessão tem o terceiro o quarto e até o quinto. Caso queria entender a piada, entre no Google e digite ”o que é o terceiro na psicanálise” que já cai na definição certinha. Eu não me sinto culpada de fazer nada disso porque meu psicanalista já bocejou uma vez enquanto eu falava e outra vez lanchava enquanto eu dramatizava meu sofrimento.
Eu sempre acho difícil começar a falar nessas sessões pelo WhatsApp. Então iniciei hoje falando que ele estava me atrapalhando, pois eu queria ver o lançamento da Crew Dragon. Como ele não sabia do que se tratava, expliquei tudo isso a ele. Mais rápido que um gato, ele se aproveitou disso e me perguntou o que me atraía nesse assunto. Expliquei que assim como o astronauta eu vivo fora desse mundo, perdida e flutuando num lugar inóspito e distante e que me impressionava o quanto a humanidade se desenvolveu. O quanto o conhecimento cresce e se expande exponencialmente, que me
lembra a analogia de que o conhecimento é uma ilha, o desconhecido é o mar. Mas quanto mais a ilha cresce, mais contato sua borda tem com o desconhecido. Quanto mais sabemos, mais percebemos que falta muito a conhecer.
Porém o que me encanta mesmo é a coragem dos astronautas. Entrar numa cápsula, ser lançado a uma velocidade absurda, sofrer o peso de muitas gravidades sobre o corpo, tudo isso para ficar num lugar onde o oxigênio falta, num total isolamento, muito mais hard que esse nosso. E assim fomos, eu e meu psicanalista falando sobre sonhos e coragem, sobre conhecimento e metas, sobre a ausência de peso na ausência da gravidade, olhar coisas de longe, não-pertencimento. Ele faz sua fatal analogia entre mim e o lançamento da Crew Dragon: voe tal qual e etc etc. Silêncio no recinto. Respiro e falo: adiaram o lançamento. E caio na gargalhada. Ele não se aguenta e ri também.
Sim amiguinhos. Depois de US$ 3,4 bilhões gastos, o lançamento foi adiado por causa do tempo ruim. Não foi problema no sistema, não foi uma arruela que acharam caída embaixo do foguete, não vazou combustível, não soltou uma placa, nada disso. Só um tempo ruim mesmo. O imponderável. Acople o braço da estação, recolha o líquido propulsor, desafivele o cinto, desça a escada, entre no carro (os astronautas estão em isolamento por causa do COVID-19), tira a roupa do playmobil e vamos dormir.
Falei pro meu psicanalista: eu vou voar. Espere só o tempo melhorar. Vamos ficar por aqui hoje, ele perguntou. Sim. Até sábado. Até sábado. Tchau.
Update: ao contrário do informado no texto, o foguete também foi construído pela Space X.
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